Resenha
do Documentário Homo Sapiens 1900, de Peter Cohen (1998).
O documentário é uma belíssima
produção do já consagrado Peter Cohen, diretor do aclamado Arquitetura da
Destruição. Homo Sapiens 1900, no
entanto, vem a mostrar que um dos principais argumentos propagandísticos do
Nazismo não foi uma invenção deste, mas uma corrente de pensamento advinda da
medicina sueca, que grandemente se popularizou na Europa do início do séc. XX:
a noção de “raça ariana”, na verdade, é uma versão extremada alemã da Eugenia,
de onde vem a demanda por “higiene” ou “limpeza racial”. Com efeito, os regimes
fascistas bem se serviram desse ideal de perfeição biológica/genética da raça
humana, pois o apelo pró-humanidade é bastante coercitivo e provou ser, desde o
seu surgimento na Suécia, mui eficaz em congregar grande parte da sociedade em
torno de um único objetivo.
Em
Homo Sapiens 1900 as teorias sobre a
Eugenia são tomadas historicamente desde o início dos estudos de modificação
genética empreendidos por Gregor Mendel (1900), passando pela ampliação desses
estudos à genética humana pela medicina, a criação do primeiro instituto de
biologia racial na Suécia em 1922, até sua disseminação no meio político-social
como objetivo da humanidade, pela conservação e aperfeiçoamento desta.
Do
ponto de vista estético, o documentário dialoga com a História, conferindo,
através do fundo predominantemente preto e a narração pausada e grave, o teor
sóbrio da pesquisa científica e o tom sombrio da “higiene racial” que subjaz ao
discurso durante todo o filme. O jogo “sóbrio/sombrio” consegue, ainda, afastar
a ideia de loucura ou insanidade que o senso comum costuma atribuir às práticas
de extermínio, ressaltando seu caráter racional, sem deixar, entretanto, de
fazer uma crítica a esse racionalismo que legitima a morte da parte em favor do
todo. O grandioso trabalho de reunião de dados e imagens apresentado
cadencialmente na progressão do documentário proporciona uma constante
integração áudio-visual, prendendo a atenção do telespectador.
No
que tange à História política, tão quista por grande parte dos historiadores,
Peter Cohen não deixa a desejar. Apesar de se atribuir à medicina e à biologia
a maior participação no empreendimento da Eugenia, o grande trunfo talvez
consista na percepção do poder potencializador dos agentes políticos no
processo de disseminação, institucionalização e oficialização de uma práxis
eugênica, de uma verdadeira purificação da raça humana. A crença na
possibilidade de uma geração perfeita no futuro ganha extremo alcance e
realização quando aderida pelo Estado. Política e Ciência dão-se as mãos, ao
passo que o Estado fomenta a pesquisa, e a pesquisa legitima a propaganda
estatal. Assim ocorreu na Suécia, na Rússia Stalinista, e na Alemanha Nazista,
para citar os maiores exemplos europeus.
Num
mundo cientificista, os testes e os resultados movem o espírito social. Não é
de se espantar que as famílias se empolgassem em promover sua linhagem
participando de competições de “pureza” racial. A promessa da humanidade
perfeita é plenamente passível de adesão em sociedades que se pretendem
unânimes no cenário mundial, as quais se lançam à corrida pela sobreposição
política. Não se trata de loucura ou
insanidade, mas sim de uma lógica contraditória intrínseca à modernidade: o
progresso constantemente suscita medidas retrógradas e não comprometidas com a
ética, sobretudo a cristã que vem em decadência desde o advento do iluminismo.
Se os próprios cristão, cujos dogmas interceptam práticas de violência e
assassínio, permitiram por vezes no passado a subjugação e o extermínio de
mouros, negros africanos, etc., o que esperaríamos da modernidade, em que o darwinismo
passa facilmente de biológico a social, sendo recorrentemente evocada a lei do
“mais forte”? Ora, a competição se encontra na raiz do mundo contemporâneo,
seja no mercado ou em qualquer das áreas imagináveis das relações sociais.
Mesmo com a recente onda de propagandas em prol do “politicamente correto” que
inundam as grandes mídias, o cerne da questão é outro. Ainda é uma questão
maquiavélica de preponderância dos fins sobre os meios. Escravidão?
Produtividade. Primeira Guerra Mundial? Colonialismo. Nazismo? Reconstrução da
Alemanha. Quem ficou de fora dos ganhos, que atire a primeira pedra!
FICHA
TÉCNICA
Título
Original: Homo Sapiens 1900
País
de Origem: Suécia
Direção:
Peter Cohen
Ano:
1998
Duração:
88 minutos