Páginas

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Não foram os nazistas que começaram!

Caros leitores assíduos,tenho aqui a honra de postar a resenha sobre um documentário de Peter Cohen de uma amiga,futura blogueira do finzindefesta,graduando de História na UFRJ assim como eu.Espero que assim como eu gostem da Resenha!Obrigado pela visita,voltem sempre.^^

Resenha do Documentário Homo Sapiens 1900, de Peter Cohen (1998).

            O documentário é uma belíssima produção do já consagrado Peter Cohen, diretor do aclamado Arquitetura da Destruição. Homo Sapiens 1900, no entanto, vem a mostrar que um dos principais argumentos propagandísticos do Nazismo não foi uma invenção deste, mas uma corrente de pensamento advinda da medicina sueca, que grandemente se popularizou na Europa do início do séc. XX: a noção de “raça ariana”, na verdade, é uma versão extremada alemã da Eugenia, de onde vem a demanda por “higiene” ou “limpeza racial”. Com efeito, os regimes fascistas bem se serviram desse ideal de perfeição biológica/genética da raça humana, pois o apelo pró-humanidade é bastante coercitivo e provou ser, desde o seu surgimento na Suécia, mui eficaz em congregar grande parte da sociedade em torno de um único objetivo.
Em Homo Sapiens 1900 as teorias sobre a Eugenia são tomadas historicamente desde o início dos estudos de modificação genética empreendidos por Gregor Mendel (1900), passando pela ampliação desses estudos à genética humana pela medicina, a criação do primeiro instituto de biologia racial na Suécia em 1922, até sua disseminação no meio político-social como objetivo da humanidade, pela conservação e aperfeiçoamento desta.
Do ponto de vista estético, o documentário dialoga com a História, conferindo, através do fundo predominantemente preto e a narração pausada e grave, o teor sóbrio da pesquisa científica e o tom sombrio da “higiene racial” que subjaz ao discurso durante todo o filme. O jogo “sóbrio/sombrio” consegue, ainda, afastar a ideia de loucura ou insanidade que o senso comum costuma atribuir às práticas de extermínio, ressaltando seu caráter racional, sem deixar, entretanto, de fazer uma crítica a esse racionalismo que legitima a morte da parte em favor do todo. O grandioso trabalho de reunião de dados e imagens apresentado cadencialmente na progressão do documentário proporciona uma constante integração áudio-visual, prendendo a atenção do telespectador.
No que tange à História política, tão quista por grande parte dos historiadores, Peter Cohen não deixa a desejar. Apesar de se atribuir à medicina e à biologia a maior participação no empreendimento da Eugenia, o grande trunfo talvez consista na percepção do poder potencializador dos agentes políticos no processo de disseminação, institucionalização e oficialização de uma práxis eugênica, de uma verdadeira purificação da raça humana. A crença na possibilidade de uma geração perfeita no futuro ganha extremo alcance e realização quando aderida pelo Estado. Política e Ciência dão-se as mãos, ao passo que o Estado fomenta a pesquisa, e a pesquisa legitima a propaganda estatal. Assim ocorreu na Suécia, na Rússia Stalinista, e na Alemanha Nazista, para citar os maiores exemplos europeus.
Num mundo cientificista, os testes e os resultados movem o espírito social. Não é de se espantar que as famílias se empolgassem em promover sua linhagem participando de competições de “pureza” racial. A promessa da humanidade perfeita é plenamente passível de adesão em sociedades que se pretendem unânimes no cenário mundial, as quais se lançam à corrida pela sobreposição política.  Não se trata de loucura ou insanidade, mas sim de uma lógica contraditória intrínseca à modernidade: o progresso constantemente suscita medidas retrógradas e não comprometidas com a ética, sobretudo a cristã que vem em decadência desde o advento do iluminismo. Se os próprios cristão, cujos dogmas interceptam práticas de violência e assassínio, permitiram por vezes no passado a subjugação e o extermínio de mouros, negros africanos, etc., o que esperaríamos da modernidade, em que o darwinismo passa facilmente de biológico a social, sendo recorrentemente evocada a lei do “mais forte”? Ora, a competição se encontra na raiz do mundo contemporâneo, seja no mercado ou em qualquer das áreas imagináveis das relações sociais. Mesmo com a recente onda de propagandas em prol do “politicamente correto” que inundam as grandes mídias, o cerne da questão é outro. Ainda é uma questão maquiavélica de preponderância dos fins sobre os meios. Escravidão? Produtividade. Primeira Guerra Mundial? Colonialismo. Nazismo? Reconstrução da Alemanha. Quem ficou de fora dos ganhos, que atire a primeira pedra!

FICHA TÉCNICA
Título Original: Homo Sapiens 1900
País de Origem: Suécia
Direção: Peter Cohen
Ano: 1998
Duração: 88 minutos

4 comentários:

Calvin Watterson disse...

A conclusão da resenha muito me lembrou a ideia de Karl Jaspers sobre a culpabilidade do nazismo e suas consequências..Quem são responsáveis?A URSS no pacto de não agressão não tem responsabilidade?E a Inglaterra e os aliados com sua inércia após a continuidade da expansão invasiva da Alemanha não possuem responsabilidade?O monstro do nazismo não é filho da Alemanha,é filho do mundo inteiro!

Branca de Neve disse...

Concordo plenamente! A historiografia, sobretudo a oriunda dos estudos judaicos, fazem do nazismo o grande monstro da modernidade! É como a Inquisição na Idade Média e a Ditadura Militar no Brasil: alguém tem que ser culpado, então quando não se acha(m), ou é interessante ocultar o(s) verdadeiro(s), cria-se um. Nesta resenha procurei justamente mostar um aspecto dessa questão: uma das maiores "fontes" de "monstrualização" do nazismo, a prática da "higiene racial", nem sequer foi uma ideologia iniciada por ou particular dos alemães, bem como tantas outras críticas que são feitas diretamente ao nazismo e deveriam, na verdade, ser feitas à grande parte do resto do mundo.

Capachão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Capachão disse...

É curioso como geralmente o mundo parece que muda só na metade do século e o começo do século parece sempre um desdobramento do anterior. Os campos de concentração são a mistura de várias tendências do século anterior: eugenia e evolucionismo, indústria(de matar judeu), militarismo e romantismo.